O sertão semiárido, com sua economia fundada nos ciclos do gado e do algodão, ocupando quase todo o território cearense, é responsável pelas características principais de cultura cearense. Nele, por quase dois séculos, dominou o que Capistrano de Abreu chamou de civilização do couro, onde quase tudo girava em torno do boi. Do seu couro eram feitas as tiras que amarravam a taipa das paredes da casa, se fazia a mobília, o vestuário, as máscaras e inúmeros outros objetos. A carne comia-se nas três refeições ou transformava-se em charque, para vender. O leite bebia-se quatro vezes ao dia, virava manteiga, queijo, doce ou coalhada. Até hoje, no sertão, do boi, nem mesmo o berro se perde, porque imitado pelo vaqueiro em seus aboios longos e tristonhos.
Os traços dessa cultura vaqueira ainda influenciam fortemente o imaginário sertanejo. Seus marcos são as fazendas de gado, outrora enormes territórios a estenderem-se em volta de uma casa-grande de paredes grossas, muitos alpendres, grandes depósitos e pouca mobília. Nelas, moram os fazendeiros com suas famílias, rodeados pelas casas de taipa de seus agregados, pelos engenhos de rapadura, aviamentos de farinha, roças de subsistência e oficinas artesanais onde se sobressai a figura do mestre seleiro. A festa mais importante, ainda hoje, ocorre na data do santo padroeiro que, até o século passado, se fazia coincidir com a apartação do gado, da qual se originou a atual vaquejada.
O sertanejo em geral é profundamente religioso. Devoto do santo padroeiro de sua freguesia, sua religião mistura elementos do catolicismo ortodoxo e de rituais mágicos populares, originários de cultos animistas africanos e ameríndios. É ao mesmo tempo penitencial e festeira, fatalista e terrena, punitiva e redentorista. Expressa-se nas romarias, como a de Canindé, e nos ritos das irmandades de penitentes, mas também nas festas de padroeiro, renovações de santos, danças devocionais de São Gonçalo, lapinhas e pastoris. Inclui o uso de patuás, relíquias, escapulários, ex-votos, rezas fortes, superstições, mastros, cruzeiros, altares naturais e de carregação, salas de santos e outros objetos, instalações e procedimentos mágicos.
A diversão do sertanejo, pelo menos até meados do século XX, era cachaça e samba. Samba de terreiro ou latada, baile rústico ao som da rabeca, da viola e, mais recentemente, da sanfona. Além disso, eram as festas da Igreja Católica, os batizados, os casamentos e as festas de padroeiro, com suas quermesses e leilões. Hoje, além dessas, são os forrós e as vaquejadas.
A cozinha sertaneja, a exemplo da cearense em geral, é a fusão do tempero antigo de Portugal, dos seus modos tradicionais de fazer doces e conservas (que inclui a herança moura, sarracena e árabe), com a alimentação indígena, os frutos da terra, a mandioca, o milho e as batatas, além de elementos vários de origem negro-africana. Sua culinária é sazonal, divide-se em uma culinária da estação chuvosa e uma culinária do verão. Explode em abundância na época da colheita, que corresponde às festas juninas (Santo Antônio, São João e São Pedro), quando mostra toda a sua pujança. No sertão domina a carne e o leite, embora apareçam também o milho, a mandioca, o feijão e o arroz (que, juntos, viram baião de dois).
Da carne de gado (bovino, caprino e ovino), fresca ou feito charque, derivam pratos como a carne-seca assada com pirão de leite, a buchada, o sarrabulho, a panelada, o sarapatel, o cozido da perna do boi, os guisados, a mão de vaca, o rosbife, a paçoca, as diversas carnes moqueadas, etc. A paçoca constitui o prato cearense mais típico, tal a sorte e diversidade de elementos, das diferentes etnias formadoras de nossa cultura, que a compõem: carne de sol desfiada com farinha, fritada na manteiga, temperada com cebola, alho e pimenta do reino e acompanhada com banana e rapadura.
Os utensílios de trabalho mais típicos da cozinha sertaneja são: o pilão grande (de pilar milho), o pilão pequeno (de pilar cebola), a colher de pau, o raspador de coco, o ralador de milho, a quenga de coco, a urupema (peneira), o abano, o fogão e o forno de lenha, a panela de barro e a folha de bananeira (obrigatória nas tapiocas e cocadas), quase todos eles de origem ameríndia ou negro-africana.
Além do artesanato em couro, que tem na arte do seleiro seu núcleo central, encontra-se um sem-número de outros artesanatos, com destaque para os trançados de palhas, cipós e fibras vegetais, para a louça de barro e o fabrico da rede.
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